sábado, 12 de novembro de 2011

Última Chamada

Fabi folheava a lista telefônica tentando sentir pena de si mesma. Vislumbrava tantos nomes, tantas famílias, tantas histórias, tantas possibilidades, quanto às tantas incertezas e frustrações que depreendera para sua vida. Aleatoriamente viu indicado: Freitas, e teve certeza que seria esse.

- AAAlô
- Oi
- ALôou
- Err... é...
- Pois não?
- Eu quero morrer
- ...
- ...
- Minha senhora, a senhora quer falar com quem?
- Alguém que pudesse me ouvir, que...
- Foda-se, vai tomar no cu!!!

Mais um risco em vermelho, menos um nome, mais uma tentativa de ser ouvida, menos acreditava na chance de encontrar alguém que se importasse. Forçava uma lágrima que organicamente não iria escorrer. Perdia o foco em si mesma e agora refletia em todos os dramas cosmopolitas que ela nunca imaginaria pensar. Os prédios desumanizaram as pessoas? Todas essas paredes e só se ouve o próximo através de um som incômodo. Muito se fala no próximo, mas se este mesmo não é próximo, o que será o distante? Os sentimentos? A essência? A esperança? Pela primeira vez ao longo de uma madrugada que ainda tardaria a cessar, chegou o mais próximo possível do choro.

Insistia na lista. Honestamente, nem saberia ao certo o que dizer. Mas mesmo que o máximo de contato que tivesse fossem os insultos, era reconfortante pensar na idéia de externar seus gritos a essa metrópole gélida e desalmada. Toda uma multidão de desconhecidos e desatentos lhe ouvindo por alguns segundos. Grifou: César.

- Alô
- Eu queria...
- Como?
- Qual o seu nome?
- ...olha querida, com quem você quer falar?
- Qual o problema em dizer seu nome a uma desconhecida munida de uma lista telefônica?
- ... ... ... o que exatamente você quer?
- Morrer. Mas queria saber de você.
- Que porra é essa?? É algum tipo de pegadinha de rádio??
- De repente é, se você acredita mais nisso do que no desespero das pessoas.
- Mocinha, eu realmente não to entendendo aonde você quer chegar com essa conversa.
- Essa conversa me alivia. Eu vou morrer daqui a pouco, só queria tentar um diálogo com alguém.
- Mas... como assim você vai morrer?
- Eu vou deixar essa vida ué. Uma bala vai atravessar a minha caixa craniana e depois disso eu não pretendo continuar vivendo...
- Mas.. você vai fazer isso com você mesma??
- Sim.
- Não faz isso!!! Você já... ... pensou que... não! Não vale a pena. Não faz isso!

Se para Fabi o choro foi forçadamente difícil, o riso escapou-lhe com facilidade. Finalmente conseguira. Alguém parecia se importar. Mesmo com toda a sua auto-piedade deplorável.

- Não vale mais a pena viver. E isso é tudo.
- ...
- ...
- ...
- Só queria que alguém soubesse. Ouvisse meus últimos suspiros.
- É... Eu entendo seu desespero. Já senti algo parecido. Meu irmão cortou a artéria dele numa banheira.

E desta vez é Fabi que fica sem reação. Como assim “entende”? Ela não queria entendimento!! Só queria ser ouvida, ser impedida, ser censurada. Queria materializar essa tal esperança e alegria tão faladas.

- Mas eu poderia te impedir disso.
- Como assim?
- Entendo, mas não concordo. E ponto final.
- ... Ta, esquece, você não levou a sério.
- Eu estou levando a sério. Percebi logo pelo seu tom de voz, mais angustiado impossível...
- Deixa pra lá, daqui a pouco vai estar feito mesmo.
- Qual o seu endereço?
- Como assim??
- Ué, você não queria conversar? Não queria que alguém ouvisse? Que tal alguém PRESENCIAR seus últimos suspiros?
- ... ... Quem... o que é você?
- Engraçado, você me censurou quando ia perguntar isso.

Tomado por um impulso de extrema fraqueza - o mesmo que lhe fez pegar a lista telefônica e sair discando em busca de homens aleatórios que lhe ouvissem – Fabi lhe informou seu endereço. Sem pensar muito no que viria e poderia vir a seguir.

Enfim César chegou a sua residência. Morava sozinha. Moravam bem próximos até. Seu apartamento muito se assemelhava a sua vida em alguns aspectos. Vazio, estantes em formato de prédios com livros que não leu (e mesmo que tivesse lido, que diferença teria feito em sua vida?), poltronas impecavelmente limpas, mesmo que nunca recebesse visitas, predomínio da cor vermelha na decoração.

Os olhos de César percorriam minuciosamente o ambiente. Esperava, e conseguiria, traçar o perfil de Fabi em apenas alguns segundos. Também não era tarefa das mais difíceis, visto todo o cenário montado. Receitas médicas com letras indecifráveis, e... SIM!! O revólver em cima da cama. Restava apenas saber se estava carregado ou não. Já Fabi não sabia como lidar com a situação. Nunca foi boa em lidar com situação alguma que exigisse contato humano ou atitude de sua parte. Mas sentaram-se no leve carpete removível a pedido de César. E a conversa sucedeu-se com o mínimo de contato físico.











Disparo. Seco. Abafado. Sangue. Coagulado. Infiltrando-se ao branco do carpete, misturando-se ao vermelho-vinho da parede. Mais sangue.

Menos um corpo, o que cai. Mais um corpo, o que joga a arma sob o outro corpo.

Os dedos riscam o carpete, numa frase perfeitamente nítida: MISSÃO CUMPRIDA

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